17 de dezembro de 2010

Os bares de Agualusa



O ótimo romance As Mulheres de Meu Pai, do angolano José Eduardo Agualusa, relata a história de uma moçambicana vivendo em Portugal em busca de histórias de sua origem. Na busca, ela percorre Angola, Namíbia, África do Sul e Moçambique.

O curioso é que boa parte dos diálogos importantes do enredo ocorre dentro de bares. É ali que os personagens se desnudam para revelar um fato, abrir o coração ou mostrar outras personalidades.

Em cada uma dessas paradas, o escritor abre espaço para descrever o local e desvelar um pouco mais desses ambientes que nós gostamos muito.

Conheça alguns deles.

(Inevitavelmente o post ficou bem longo)

Lobito, Angola - "Revi o hotel Terminus, no Lobito. Lembro-me em criança ter almoçado lá algumas vezes. O que me lembro: 1) Dos empregados de mesa, muito hirtos, em resplendentes fardas brancas. Hoje, sempre que vejo um almirante recordo-me dos empregados de mesa do hotel Terminus. Se bem que nunca vi almirantes com tanta dignidade; ... O hotel Terminus foi recuperado por um banco privado angolano. Atrás, nas areias puríssimas da praia, ergue-se um bar bangalô."

Chibia, Angola - "Fomos depois à Chibia. Queria mostrar a Karen o Bar da Inês. Fica na rua principal. Não há muitas ruas na Chibia. O proprietário, um senhor de certa idade, mestiço muito claro, 'branco à rasca', segundo a Dona Augusta, nasceu em Malange e veio viver para a Chibia logo depois da independência. Tem uns olhos de azul diáfano, quase transparentes. Sportinguista ferrenho, pintou o pequeno espaço de verde e branco, e colocou em um dos cantos um leão de plástico.

Namibe (Mossâmedes), Angola - "O bar da Leopoldina está pintado de verde e branco. A um dos cantos, preso à parede,numa espécie de altar, entre velas acesas, dei com um gato empalhado pintado de verde. 'O que quer?', retorquiu o mucubal ao reparar meu espanto: 'Foi o Leão que se pode arranjar'. O mucubal fala com seu companheiro num idioma seco e sibilante, que a mim me parece russo. Victória, filha da terceira mulher do meu pai, serve mais duas cervejas aos jogadores (de xadrez). Peço-lhes três para nós. Pergunto-lhe: 'Estão a falar russo?'"

Canyon, Angola - "Estou na sala de jantar do Paraíso Lodge. Um homem gordo e calvo toca guitarra e canta em afrikaans. A vida inteira pensei que não pudesse existir no mundo inteiro nada pior do que música country. Afinal, existe: country cantado em afrikaans. Há mais um casal de boeres, que trabalham aqui, e dois adolescentes. Todos eles parecem muito animados com a atuação do homem gordo. Assalta-me uma sensação estranha: Estou em Angola e sinto-me estrangeiro. Nas paredes, há cartazes com imagens de peixes, e fotografias de pescadores carregando, orgulhosos, seus troféus"

Oncócua, Angola - "Levou-me a um bar chamado O Máximo, um lugar decrépito, com pôsteres de mulheres nuas colados às paredes e grades de cerveja encostadas aos cantos. Na luz escassa flutuavam rostos atormentados pelo álcool. Rapazes em tronco nu, com uma espécie de tanga de couro presa à cintura. meninas muito novas, com o cabelo laboriosamente entrançado, colares de búzios e miçangas, e os bicos duros dos peitos espetados nos meus olhos. Nossa entrada foi saudada com gritos e gargalhadas. Brand pediu meia dúzia de cerveja e distribuiu-as pelos rapazes e raparigas. Passou-me uma para a mão. 'Tarrachinha - disse, apontando para dois casais à nossa frente. - Lá na capital dança-se a tarrachinha?'"

Namíbia - "Anoitecia quando Pouca Sorte nos chamou a atenção para um bar, à beira da estrada. Parecia um cenário de um road movie americano, ao estilo de Thelma & Louise. Uma bomba de gasolina e o bar atrás, com um letreiro em neón: Moose's Bar. O deserto a toda volta. A luz rasa realçando o grão. Um céu de azul vibrante, porém quebrado, com vincos baços, como a fotografia abarrotada de um azul vibrante. Lá dentro havia apenas uma única pessoa, do outro lado do balcão, um homem na casa dos cinquenta, grande e gordo, já meio grisalho, apanhado num rabo de cavalo. Pedimos sumos de laranja e sandes de fiambre com tomate para os quatro."

Cidade do Cabo, África do Sul - "Ao longo da Long Street sucedem-se os restaurantes, os bares e as discotecas, quase todos cheios. Jantamos no Mama Africa, um restaurante de cozinha regional, enquanto uma orquestra de marimbas e batuques, acompanhava, numa euforia crescente, um jovem cantor, a intercalar trechos de obras famosas e velhas canções de Bob Marley. Seguimos depois, um pouco à deriva, de bar em bar. No primeiro, mais calmo, havia apenas casais de meia idade, todos brancos. No segundo movia-se aos empurrões uma turba ruidosa de jovens de todas as cores: loiros, ruivos, mulatos, negros, chineses, indianos, eu sei lá! Dir-se-ia uma convenção de modelos da Benetton"

Maputo, Moçambique - "Estávamos os quatro num restaurante de comida zambezina, na Feira Popular... Frango com churrasco, à zambeziana, é dos melhoes pratos, não obstante a singeleza do preparo. que se pode comer em Moçambique. Tempera-se o frango com sal, limão, pimenta e jindungo. Extrai-se o leite de um coco, rala-se o miolo e mistura-se com duas colheres de azeite. Grelha-se a galinha em fogo lento, regando-a constantemente com a mistura de coco e azeite. convém aproveitar o molho que vai escorrendo da grelha, e com o qual se rega a carne, novamente, na hora de ir para a mesa. Frango à zambeziana, pois, e cervejas para todos."

Luanda Angola - "Um boteco tosco, armado em cima do passeio, no alto do Quinaxixe, com vista para o caos urbano, e meio submerso pelo violento ruído do trânsito. Um barraca com um teto de lona, em pirâmide, três mesas em plástico, meia dúzia de cadeiras. O conjunto se chama Chapeuzinho e eu nem teria me dado conta sem as indicações de Monte.

3 de dezembro de 2010

Filmes dos anos 1950 da Guinness, o haikai das cervejas

A Guinness sempre foi craque de marketing. Os clássicos cartazes de animais com a excelente stout irlandesa estão espalhados por muitos botecos e pubs.

A versão animada, para TV, é bem menos conhecida. Os três filmes abaixo, muito bem-humorados, foram produzidos em 1955, 1956 e 1957.

Todos tão bacanas como um chope de Guinness (que o Cássio, dono do Frangó, apelidou de haikai das cervejas, por causa das três faixas no copo logo após a bebida ser servida)






2 de dezembro de 2010

Cervejas com carinho



O bar Melograno, em São Paulo, comemorou seu segundo ano de vida com o lançamento de sua segunda cerveja, a Due. Assim como a primeira receita da casa, a Uno, a bebida leva extrato de romã em sua composição - uma escolha para aproximar a novidade com o nome do bar, que significa romã em italiano.

A Due é uma cerveja de estilo Dubbel, de origem belga, fabricada pela cervejaria Bamberg. O dono, o craque Edua Passarelli,  explica: "Com um tom marrom-avermelhado, espuma densa e duradoura". A definição do aroma inclui chocolate, caramelo, banana-passa, ameixa, cerejas secas e cravo.

Na festa de lançamento, eu provei pelo menos três taças e meu nariz pouco treinado não conseguiu perceber nem metade desses detalhes. O feeling é de uma cerveja encorpada e muito boa.

Ali também tive a oportunidade de experimentar outro produto do segmento premium: a Colorado Double Indica. Assim como a Colorado Indica (o double do nome informa que o líquido traz o dobro de malte), a cerveja tem um marcante aroma de maracujá.

O que as duas têm em comum (e o que é o mais  importante): são cervejas tratadas com o maior carinho do mundo, com honras especiais. Seus fabricantes têm orgulho delas. Sim, claro, querem vender, mas querem muito mais receber elogios de um trabalho bem feito.

É este espírito fraternal, botequeiro, em busca de qualidade, de descobertas, que ficou da festa dos dois anos do Melograno, bar especializado em vender cervejas diferenciadas. A percepção é que o mercado das pequenas cervejarias tem um espaço enorme para contribuir, no quesito novidades, texturas novas e sabores surpreendentes. Ótima notícia para quem gosta de cerveja.